segunda-feira, setembro 18, 2006

Era uma vez...

Um Jardim do/no Mar.
Era...
Ontem, à noite, fui ver o já famoso documentário, produzido pela Save The Waves Coalition, sobre a destruição das melhores ondas da Europa, as mesmas que em tempos fizeram do Jardim do Mar, uma terrinha perdida algures na costa da ilha da Madeira, um dos melhores spots para surfar do mundo. É verdade!
A história contada no "Lost Jewel of The Atlantic" resume-se assim:
A Madeira é uma ilha;
Tem mar a toda a volta;
No Jardim do Mar há ondas;
Há mais de 20 anos, uns estrangeiros andaram a calcorrear a ilha e descobriram que o calhau daquele Jardim recebia de braços abertos, dia e noite, vigorosas ondas que para a prática do surf se revelaram, numa palavra, perfeitas;
Esses forasteiros mantiveram em segredo, durante uma série de anos, a sua fantástica descoberta;
No entanto, tal era a maravilha do cenário para os amantes do surf, que esse menos-segredo foi-se espalhando, atraindo para a esta ilha alguns dos maiores nomes da cena surfista mundial;
Enquanto só em surdina se falava em cruzar ondas na Madeira, o governo local, liderado por you know who, certamente incentivado pelos lordes do betão - AFA's e companhia... - decidiu construir um super-hiper-gigante enrocamento betonado para, alegadamente, e uma vez que Neptuno não aceitou uns saquinhos de cimento como pagamento contra a diminuição da intensidade da ondulação, proteger a costa do Jardim do Mar da impetuosidade do mar, como se isso fosse possível... os antigos dizem: "O que ao mar se rouba, o mar toma de volta";
A desmesurada barreira de betão inicialmente prevista, que iria desfigurar completamente a linha de costa, foi, sob grande pressão de organizações ambientalistas locais e pela firme acção da Save The Waves, reduzida para cerca de metade, mas com direito a promendade e tudo, deixando de ser desmesurada para assumir proporções "só" gigantescas;
Agora, está lá o betão, que rima com corrupção, curioso...;
O mar não chega, pelos vistos raramente chegou antes, aos terrenos - de quem serão? - à beira-mar plantados;
A promenade também (ainda) lá está, deserta;
Os custos, passados, presentes e vindouros, também não fugirão do orçamento regional;
O calhau, esse, desapareceu;
Os surfistas e o surf? No documentário diz-se que o famoso point break nunca mais será o mesmo. A perfeição foi-se... É ainda possível surfar naquelas ondas, mas esse desfrutar da natureza está agora muito limitado pelas marés e condicionado pela possibilidade de se abruptamente terminar o passeio na onda com um violento estampanço contra uma parede... que vai andando por ali.
Enfim, em suma, serviu este documentário para avivar em mim uma já crescente sensibilidade para as questões do mar, da sua protecção e usufruto regrado.
Infelizmente, tiveram de ser outros, estrangeiros e menos marroncos, a primeiro terem a noção do crime que se cometia e a tomarem medidas para salvaguardar o que era ilhéu. E também por isso foram ostracizados...
E nós, cá desta terra, que fizémos? Que fazemos contra as diárias violações perpetradas contra a nossa natureza? E ainda se gastam milhões a tentar vender turismo ambiental? Quem pára os Srs. do Cimento? Mais perguntas, pois é...
O Dr. you know who certamente já não dorme descansado, pois, em trinta anos, ajudou a criar um polvo que, obviamente, já não controla.
Mas a culpa não é só dele e dos seus afilhados. Também é minha, claro. Porque não me manifesto. Porque, sendo conhecedor das atrocidades cometidas, continuo vagueando por aí, sorridente, sem verdadeiramente fazer por proteger a natureza que, naturalmente, também é minha.
Um dia, esse "por aí" que hoje me faz sorrir, desaparece. Aí, aí, será tarde demais.

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